ESPERA E ESPERANÇA – CHRÔNOS E KAIRÓS
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ESPERA E ESPERANÇA – CHRÔNOS E KAIRÓS
Autor: Geraldo Barboza de Carvalho
"QUERIA MUITO VOS FALAR SOBRE O TEMPO DE DEUS E O TEMPO DOS HOMENS. NÃO CONSEGUI. AS PALAVRAS ME FUGIRAM. ENTÃO COMPARTILHEI ESTE TEXTO QUE RESUME O QUE EU GOSTARIA DE LHES DIZER NUMA FRASE:
" VEJAM A VIDA SOB UM PLANO MAIOR, DIVINO E ETERNO E NÃO SOB UM PLANO PASSAGEIRO DE UMA EXISTENCIA TERRENA E VAZIA" ( ANSELMO SODRE
Espera é diferente de
esperança. Quando estamos à espera de algo, alguém, ele poderá vir ou
não. Na esperança, o que esperamos virá com certeza. A espera está no
plano da probabilidade, da possibilidade de algo ocorrer ou não. A esperança
navega no plano da certeza que algo ou alguém se fará presente sem
qualquer sombra de dúvida, mesmo que os sinais sejam contrários. Alguém
esperado inda não chegou, mas sei que chegará. “Esperando contra toda esperança
– seu corpo estava morto e o seio de Sara também – sem vacilar na fé, Abraão
creu e tornou-se o pai de uma grande multidão” Rm 4,18-19. A espera gera ansiedade, porque está no
plano do imprevisível e é movida pela incerteza. A esperança está no plano do
previsível, porque se apóia na palavra fidedigna de alguém, que com certeza
absoluta se realizará. Por isso, gera paz. O objeto da esperança está
longe como fruto, mas próximo como semente que o produzirá. Dialeticamente,
o fruto já existe e ao mesmo tempo ainda nãoexiste. A semente plantada hoje contém
no DNA a planta adulta, os frutos que dará, que colherei e saborearei
amanhã. Mas ainda não os produziu, pois falta a planta crescer, florir,
frutificar e amadurecer seus frutos. Ainda não tenho na mesa o pão do
trigo que plantei hoje, mas sei que o terei em alguns meses. O filho, a
filha que geramos hoje traz no DNA a pessoa adulta que será amanhã. Por isso já
o amávamos ao gerá-lo, preparar o enxoval e sonhar com o futuro dele, dela.
Se assim não fosse, não nos arriscaríamos preparando o
solo, trabalhando duro para o bem-estar do filho que sabemos já
existir. Sacrificamo-nos movidos pela certeza que o filho gerado e
que nascerá em nove meses já está presente aqui e agora em esperança. Na
esperança o futuro está presente, a ausência é presença real. Por isso, a
esperança gera alegria.
É no terreno da fé que a
esperança é mais nítida. Fé sem esperança é como terreno fértil sem água. Creio
na Palavra de Deus porque é fidedigna e realizará o que promete (esperança).
"Filhinhos, desde já somos filhos de Deus, mas o que seremos ainda não se
manifestou. Mas, quando se manifestar, sabemos (presente) que seremos semelhantes
a ele (futuro)" 1 Jo 3,2. A esperança é o futuro vivido no presente. Por
isso, ela gera alegria e otimismo. Mas a espera gera expectativa e ansiedade. A espera se
dá no tempo do mundo (chrônos), tempo do relógio, tripartido em passado,
presente, futuro. A esperança se move no tempo de Deus (kairós), que unifica o
tempo tripartite na eterna presença de Deus. "Eu sou Aquele-que-é,
Aquele-que-era, Aquele-que-vem, o Afla, o Ômega (princípio e fim de todas as
coisas) Ex 3,14; Ap 1,8. A fidelidade de Deus traduz a unidade do tempo.
Viver na esperança é viver o tempo tripartite com o olhar focado no
tempo unitário, que superdimensiona a transitoriedade do chrônos. Pela
esperança, vivemos no efêmero do chrônos com o olhar na eternidade do
kairós, na fidelidade de Deus. Quem entra na dimensão kairológica vive no mundo
como se do mundo não fosse: trabalha, sofre, ama, se alegra, sem empenhar o
coração em nada do mundo. "Eu lhes dei a tua palavra, mas o mundo os
odiou, porque não são do mundo, como eu não sou do mundo. Se fôsseis do mundo,
o mundo amaria o que é seu, mas porque não sois do mundo, pois minha
escolha vos separou do mundo, o mundo vos odeia. Eles não são do mundo, como
também eu não sou do mundo. Eu já não sou do mundo, mas eles permanecem no
mundo e eu volto para ti, Pai. Não peço que os tires do mundo, mas que os livres
do Mal" Jo 15,19; 17,11. A esperança gera a paz
inquieta no coração de quem sabe que o final feliz virá, ainda que todos os
sinais sejam contrários. "Eu sei em quem pus a minha esperança".
A espera
se dá, pois, no tempo humano, caracterizado pela transitoriedade, pelo
fluir, pelo movimento. A esperança se dá no tempo de Deus, caracterizado pela
estabilidade. "Nada te
inquiete, nada te meta medo, tudo passa, Deus permanece sempre o mesmo. A
paciência tudo consegue. A paciência é a melhor prece (provérbio chinês).
Aquele que tem Deus consigo, nada lhe faltará" S.ta Tereza D'Ávila. Pensando cronologicamente, o sábio
Heráclito diz: "Tudo passa, nada permanece". Retomando a mesma idéia,
o filósofo Aristóteles afirma que o tempo (chrônos) é a medida do movimento das
coisas. A física moderna diz que o universo está em incessante expansão. Nada
do que foi, é será mais o mesmo, diz Lulu Santos repetindo o Eclesiastes sobre
a transitoriedade do tempo tripartite (chrônos). A fé judeu-cristã descobriu
outro tipo de tempo: o tempo unitário, o tempo da vida, o tempo de Deus –
kairós. No kairós, o passado não se perde, o futuro não fica aguardando
realização, mas ambos se encontram no presente. O presente é o ponto de
convergência do passado e do futuro. Juntos, eles formam o kairós, o tempo
unitário, da vida. No Kairós, o passado (fé) está presente como memória do que foi; o futuro se faz presente
como esperança e dinamismo da busca; o presente é a
síntese dialética do que foi ou será, expresso no conflito do amor vivido. Memória, esperança e
conflito são as três faces do tempo único, o tempo da vida, kairós, vivido na
perspectiva da fé: "Eu sou Aquele que é". Isto é, presente, presença.
Viver pela fé é viver na presença de Deus, no Kairós. A fé se fundamenta em
acontecimentos salvíficos passados que apontam para uma realização futura
final, mas é vivido no presente nos conflitos do amor. Em Deus, o tempo
efêmero, o tempo tripartite, o tempo humano é resgatado em suas três
dimensões, tornado-se tempo único - Kairós. Fé (passado), esperança (futuro) e
amor (presente) são inseparáveis na vida de fé. O que poderia ser saudade, vira
esperança, que alimenta o dinamismo do presente. Para Deus tanto faz o passado,
o presente ou o futuro. Para Ele tudo é presente, está na sua presença.
Chrônos, o tempo das coisas, quase sempre maltrata. Mas, ele não é uma sina, um
destino implacável, pois, podemos sair dele pela fé e refugiar-nos no kairós,
na presença de Deus. Isto acontece quando olhamos as pessoas e as coisas do
mundo com os olhos da fé, os olhos de Deus. Entramos no kairós, sem deixarmos o
chrônos quando fazemos o bem, somos justos, honestos, nos amamos e amamos os
outros de verdade e quando oramos. Para sair do chrônos e entrar no kairós, é
preciso mudar o olhar do modo de pensar do mundo para o modo de pensar de Deus.
É o olhar da fé. Desta forma, continuaremos no mundo, fazendo tudo como todos
fazem, mas não somos do mundo, porque a fé e a esperança nos põem de cheio no
kairós. “Eles estão no
mundo, mas não
são do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os
livres do Mal". Isto é viver a fé e a esperança: estamos
no chrônos com o olhar no kairós. O tempo do mundo não nos tira a paz, porque,
apesar das tribulações que sofremos e que parecem nos dissuadir a continuar, temos
o olhar e o coração no futuro, alimentados pela esperança. Quem vive a mística
da esperança não vive alienado, fugindo do mundo. Pelo contrário, o esperançoso
é imbatível, porque sabe que luta e sofre pelos valores do Reino de Deus e, em
qualquer situação, terá o apoio do Parceiro Jesus. Eis a diferença entre estar
em Deus ou longe dele, independentemente da religião. Faz a diferença entre
viver pela fé e a esperança ou viver sem fé e desesperado. A fé e a esperança
podem ser implícitas, mas reais, se a pessoa que as vive labora com
sinceridade, com coração reto pelos valores do Reino de Deus, independente do
credo, da ideologia e da cultura. O Concílio Vaticano II chama as pessoas
eticamente justas de cristãos
anônimos, cujo paradigma é discurso escatológico de Jesus em Mt 25,31-46. A fé e a esperança são expressas, quando
vividas em comunidade de fé, que pratica os valores éticos do Reino de Deus e
celebra os mistérios da salvação. Com fé e esperança explícita ou implícita, o
que valerá no final é a prática do direito e da justiça, os valores
fundamentais do Reino de Deus. Por isso, mais que ir à Igreja e rezar muito,
ser ético é a maneira mais segura de viver a fé e a esperança, viver na
intimidade de Deus. Viver vida ética é fazer experiência profunda de Deus no
coração do mundo em aflição. “Nem todo que diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino de
Deus, mas quem pratica a vontade do meu Pai que está nos céus. No dia do Juízo
Final, muitos me dirão: Senhor, Senhor, não foi em teu nome que fizemos muitos
milagres, profetizamos, expulsamos demônios. Então, eu lhes declararei: Não vos
conheci. Porque, Eu tive fome e não me destes de comer; estava doente e
prisioneiro e não me fostes visitar. Apartai-vos de mim, vós que praticais a
iniqüidade” Mt 7,21-23.
Geraldo Barboza de Carvalho
Autor: Geraldo Barboza de Carvalho